Ontem, 14/05/2020, saiu no Diário Oficial da União, com data de 13 de maio, a Portaria nº 178 do MRE. Ela anunciou a realização do CACD 2020, em 3 fases, para preencher 25 vagas da carreira de diplomata.
Serão, portanto, 5 vagas a mais do que no CACD 2019. Uma a menos do que em 2018.
Estrutura do CACD 2020: correção de rumos
A estrutura do concurso anunciada na Portaria delineia, em linhas ainda muito gerais, um retorno ao padrão que estava estabelecido antes da fatídica mudança da banca organizadora do CACD 2019. Trata-se, a meu ver, de uma correção de rumos que parece anunciar a reversão de alterações na estrutura do certame cujos resultados não foram positivos nem para candidatos, nem para o processo seletivo e nem para a instituição contratante.
Em 2020, o CACD volta a ter 3 fases, o que significa que a diferença entre os tipos de conhecimentos avaliados e os critérios de correção das provas discursivas das línguas (Portuguesa e Inglesa) e das provas discursivas de conteúdos específicos (História, Geografia, Economia, Direito e PI) voltam a refletir-se na distinção entre as fases do concurso.
Continuidade salutar
Outros aspectos positivos da estrutura anunciada para a próxima edição do concurso de diplomata relacionam-se a características inalteradas das regras do CACD 2020. Destaco, sobretudo, a salutar manutenção do caráter exclusivamente eliminatório da prova objetiva da primeira fase do concurso.
O TPS tem apresentado, persistentemente, ano após ano, resultados muito diferentes daqueles produzidos pelas provas discursivas. Em outras palavras: via de regra, inexiste correlação direta ou proporcional entre a classificação dos candidatos na prova objetiva e no conjunto das provas discursivas do CACD. O Guia do Texugo Melívoro, divulgado em 2017 pela turma de diplomatas aprovados em 2016, já tinha apontado esse fato (p. 19). Depois disso, uma análise estatística de dados de uma séria histórica completíssima, compilada por competente equipe da Estudologia, reafirmou:
Um questionamento muito comum entre CACDistas é se os melhores candidatos do TPS também são os melhores no concurso. A resposta é um enfático não. Não há correlação entre a nota no TPS e a Nota Final (coeficiente de pearson 0,12).
Há algumas implicações oriundas dessa constatação:
(i) as competências exigidas na fase objetiva e nas fases discursivas são distintas;
(ii) os últimos do TPS não serão, necessariamente, os últimos do CACD e vice-versa;
(iii) se houvesse mais vagas para as próximas fases, o resultado do concurso, potencialmente, seria outro.
Raio-X do CACD (Estudologia)
Ou seja, a manutenção de uma prova objetiva eliminatória seguirá produzindo alguma distorção no resultado do concurso, à medida que uma parcela muito bem preparada (embora residual) dos candidatos continuará a ser eliminada na primeira fase do certame. Mas, para o conjunto de aspirantes a diplomata que sobreviverem à guilhotina descalibrada do TPS, a nota obtida na prova objetiva será descartada para efeitos de cálculo da nota final no CACD 2020.
Persistirá, na minha opinião, apenas uma distorção mais grave entre aquelas regras habituais do certame que vêm sendo mantidas (e aprofundadas) ao longo dos últimos anos: as notas mínimas específicas para as provas discursivas de língua portuguesa e, sobretudo, de língua inglesa. Enquanto não sair o Edital, contudo, mantenho a esperança de ver revertido o aumento relativamente recente no nível da “nota de corte” de Inglês, que os números já demonstraram prejudicar parcela nada desprezível de candidatos negros, em proporção maior do que o conjunto dos seus concorrentes.
O prazo entre Edital e TPS
Assim como ocorreu em 2019, o prazo mínimo entre a data do Edital do CACD 2020 e a primeira prova do certame poderá ser reduzido para 2 meses.
Menos pior do que já foi, é verdade. Em 2018, por exemplo, o MRE chegou ao extremo de anunciar a aplicação da primeira prova do concurso para diplomata num prazo exíguo de menos de 50 dias depois da publicação do Edital.
Mesmo assim, trata-se de escolha difícil de justificar. Sobretudo porque, desde agosto do ano passado, o país conta com legislação bastante razoável nesse aspecto. A Instrução Normativa nº 2, de 27/08/2019, foi publicada às vésperas do TPS 2019, de modo que seria impensável vê-la produzir efeitos sobre o concurso daquele ano (embora a mudança legal tenha tido origem em decreto de março daquele ano, anterior ao Edital, portanto). Quase um ano depois, contudo, o MRE tinha plenas condições de respeitar o prazo regulamentar de 4 meses entre Edital e prova, conforme determina a lei:
Art. 12. O edital do concurso público será:
I – publicado integralmente no Diário Oficial da União, com antecedência mínima de quatro meses da data de realização da primeira prova;
[…]
§ 2º Poderá ser autorizada, mediante solicitação fundamentada do órgão ou entidade, observada a delegação de competência de que tratam o art. 27 do Decreto nº 9.739, de 2019, e o inciso III do art. 1º da Portaria nº 201, de 29 de abril de 2019, a redução do prazo previsto no inciso I do caput, não podendo o novo prazo ser inferior a dois meses.
Diário Oficial da União, 30/08/2019
O prazo entre Portaria e Edital
Se você continua lendo até esse ponto, muito provavelmente busca alguma informação ou prognóstico sobre quando, afinal de contas, vai sair o Edital.
A resposta é uma só: ninguém sabe. Simples assim. E ponto.
Mas a pergunta é pertinente e vale a pena refletir e especular um pouco a seu respeito. Da minha parte, como historiador (uma raça notoriamente incompetente para acertar previsões sobre o futuro), costumo raciocinar a partir dos dados disponíveis sobre o passado. Na pior hipótese, mesmo que eu fracasse miseravelmente na composição de cenários mais prováveis, você poderá usar os mesmos dados para chegar a conclusões radicalmente distintas das minhas. Ambos os caminhos tendem a ser razoáveis, posto que fundamentados em algo mais do que o mero achismo.
Vamos considerar o que aconteceu nos concursos para diplomata realizados entre 2011 e 2019. Em 2/3 dos casos, o tempo decorrido desde a Portaria do CACD até o Edital do concurso variou de 10 a 20 dias. Em 3 ocasiões (1/3 dos casos), esse intervalo foi inferior a 7 dias (2015, 2016 e 2017).
Nas últimas duas edições do CACD (2018 e 2019), especificamente, as Portarias saíram em junho, distanciadas dos respectivos Editais em 2 ou 3 semanas.
Se o padrão não for alterado, podemos ter Edital do CACD 2020 em fins de maio ou início de junho e, portanto, a prova da 1ª fase poderia ser anunciada para fins de julho ou início de agosto.
Especulações
No momento em que escrevo (15/05/2020), o novo coronavírus ainda circula amplamente. O cenário nacional, apesar de muito heterogêneo, é de plena escalada do ritmo de contaminações, internações hospitalares e colapso dos sistemas de saúde e funerário em capitais de pelo menos três das cinco regiões do país. Não parece muito razoável, nesse momento, contar com a possibilidade de fim das medidas de isolamento social, em nível nacional e de forma abrangente, a tempo de iniciar os preparativos para um concurso com aplicação de provas em todos os estados antes de setembro ou outubro.
Mesmo num cenário otimista, a aplicação presencial de um concurso dessa abrangência seria improvável nos próximos 2 ou 3 meses. Até mesmo nos poucos casos de países bem sucedidos na contenção do ritmo de avanço da pandemia, que hoje ainda começam a avançar, muito lentamente, no sentido da revogação de restrições à circulação de pessoas, a perspectiva de curto prazo é a de um “novo normal” incompatível com salas de aula apinhadas de gente em tão pouco tempo.
Um exemplo concreto de situação análoga à do CACD, embora de muito maior escala, pode nos ajudar na projeção de cenários. O Ministério da Educação tem insistido, nos últimos meses, que vai manter a aplicação do Enem na época prevista desde o início de 2020, antes da pandemia chegar ao Brasil. O Edital da avaliação foi publicado há pouco menos de um mês e anunciou aplicação de provas em novembro. Houve contestações, decisões judiciais determinando adiamento, insistência do governo em manter a data e daí por diante. As notícias de idas e vindas não cessaram até hoje… ontem, por exemplo, dia da publicação da Portaria do CACD 2020, o presidente da Câmara dos Deputados pediu oficialmente ao presidente da República o adiamento da aplicação da prova. Ou seja: parcela significativa dos deputados considera arriscado demais aplicar um exame presencialmente e provocar aglomeração de jovens estudantes em… novembro!
A quantidade de pessoas envolvidas no Enem e no CACD é absolutamente incomparável. Mas esse exemplo faz pensar que, aplicando o mesmo prognóstico dos deputados federais, seria indesejável e um tanto irresponsável termos provas de concursos públicos aplicadas presencialmente antes de, quiçá, dezembro de 2020 ou janeiro de 2021. Nesse caso, o Edital do CACD 2020 poderia ser esperado para outubro ou novembro, posto que a Portaria anunciou prazo de 2 meses entre o Edital e a primeira prova do certame. Ou ainda, quem sabe, poderia sair um Edital publicado mais cedo que isso, com maior antecedência do que a anunciada em relação à prova da Primeira Fase.
Palpite
Pessoalmente, contudo, eu tenho uma expectativa menos otimista em relação ao CACD 2020. Vou arriscar compartilhar aqui essa previsão, baseada em zero evidência, com grande risco de errar. Até há poucos dias ninguém apostaria na possibilidade de uma Portaria do MRE anunciando o CACD 2020. Até anteontem, quando alguém me procurava em busca de qualquer tipo de previsão ou expectativa pro Edital, eu vinha repetindo respostas sempre acompanhadas de uma ressalva que segue válida agora: não podemos nos dar ao luxo de descartar a possibilidade de o governo federal fingir que nada mudou e tentar manter a programação “normal”.
Nesse aspecto, o CACD 2020 pode estar para o MRE assim como o ENEM 2020 está para o Ministério da Educação.
Saberemos em breve (ou não tão em breve assim).
Para finalizar com algo menos do que um prognóstico pessimista, por fim, eu arrisco (muito hesitantemente, como a prudência manda) um palpite, típico de quem quer muito ver algo positivo mesmo diante de evidências escassas.
É que, à primeira vista, a leitura dessa Portaria me fez lembrar mais da estrutura do CACD 2018 do que da estrutura do CACD 2019. E, por associação livre, eu fui acometido por uma pequena esperança de que talvez, quem sabe, essa aparente “correção de rumos” possa ser, em alguma medida, indicativa também do retorno a uma banca organizadora com mínima capacidade técnica para executar um exame com esse nível de complexidade, sem atalhos.
E, já que esse breve interregno pós-Portaria dá algum espaço para divagações, eu poderia até exagerar no otimismo e alimentar a vã esperança de que a quantidade de candidatos aprovados para a 2ª fase volte a aumentar, depois de tantas reduções. Essa, no fim das contas, seria a “correção de rumos” com maior potencial de reverter objetivamente algumas das muitas distorções causadas pelas eliminações parcialmente injustificadas na primeira fase do CACD.