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Acaba de ser publicado na edição de hoje (06/11/2020) do Diário Oficial da União (DOU) o Edital do PAA 2020.

O nome completo é comprido (Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco em 2020 – Bolsa-Prêmio de Vocação para a Diplomacia). Trata-se, simplesmente, do programa de bolsas-prêmio do Instituto Rio Branco (IRBr), uma ação afirmativa pioneira e já tradicional do Ministério das Relações Exteriores (MRE) cuja finalidade principal é prover recursos para custear a preparação de negros e negras que estudam para tornar-se diplomatas por meio da aprovação no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD).

Ou seja, além de reservar para negros a cota mínima de 20% das vagas do concurso que recruta novos diplomatas, conforme manda a lei, o Itamaraty também tem um programa estruturado no Instituto Rio Branco para incentivar e promover o ingresso de negros e negras na carreira por meio do custeio dos estudos necessários durante a preparação para o CACD. São duas medidas complementares.

Ele é destinado a candidatos que tenham feito inscrição no último Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD 2019) e que tenham se autodeclarado negros.

O Edital do PAA 2020 anuncia os termos válidos para a concessão de até 28 (vinte e oito) Bolsas-Prêmio de Vocação para a Diplomacia com base nos resultados do CACD 2019. Ou seja, não há prova específica para negros candidatos à bolsa do Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco. As provas do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata é que produzem os resultados a partir dos quais o IRBr seleciona quem será beneficiário de uma das bolsas oferecidas.

Segue um resumo de algumas das novas regras anunciadas para a concessão de bolsas do Programa em sua edição 2020. Ressalto, contudo, que se você é negro e tem algum interesse de concorrer a uma das vagas disponíveis no PAA 2020 do IRBr, é imprescindível ler a íntegra do Edital publicado no DOU de hoje, que a síntese a seguir não pretende nem teria como substituir. Note que, caso as mesmas regras sejam mantidas em futuras edições do PAA, uma futura candidatura sua a bolsa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco vai depender da sua participação e do seu resultado nas provas do CACD 2020. Então, para ser bolsista no futuro, é preciso agir hoje. Isso torna as regras do Edital do PAA 2020 relevantes como parâmetros até mesmo para quem ainda está planejando sua preparação para 2021 ou depois.

 

1. Qual o valor da bolsa e que tipo de despesa ela pode custear

Objetivamente: o valor da bolsa-prêmio é de R$ 30.000,00. Em teoria, esse montante deveria custear estudos para o CACD durante 1 ano. Ou seja, uma média de R$ 2.500,00 por mês. Esse valor tem se mantido inalterado há anos, sem qualquer reajuste ou atualização.

Mesmo assim, caso fosse realmente possível contar com uma renovação de bolsa a cada ano, os 30 mil anuais garantiriam ao candidato contemplado a possibilidade efetiva de dispor de recursos suficientes para custear uma grande parte, se não a totalidade, dos seus gastos com cursos preparatórios e professores especializados.

Mas, além desse tipo de gasto, o Programa de Ação Afirmativa 2020 (PAA 2020) do Instituto Rio Branco também prevê a possibilidade de que até 30% do valor total da bolsa sejam destinados aos demais custos diretamente envolvidos na preparação para o CACD, mediante autorização.

Quais outros custos seriam esses? O Edital não fornece detalhes a respeito: seriam recursos para “despesas de manutenção”. A única condição explicitada é que tais gastos sejam previamente incluídos em “plano de estudos e desembolso dos recursos”, que cada bolsista deve apresentar “de modo detalhado e justificado”.

Caso você tenha interesse pessoal no assunto, saiba que ex-bolsistas aprovados em edições anteriores do CACD costumam ser designados pelo MRE para orientar os aprovados em cada edição do PAA, após a aprovação.

 

2. Quem pode concorrer?

Podem concorrer os brasileiros natos maiores de 18 anos que tenham concluído curso de graduação em nível superior até a data da divulgação do resultado final do PAA 2020.

Além disso, é necessário cumprir alguns requisitos legais de praxe em qualquer concurso público, obter confirmação da autodeclaração como pessoa negra (por meio do procedimento de heteroidentificação, discutido abaixo) e ter currículo Lattes.

Mas os 2 pré-requisitos mais importantes para concorrer a uma “Bolsa-Prêmio de Vocação para a Diplomacia” talvez sejam:

    • ter feito inscrição no CACD 2019 como pessoa negra, para concorrer às vagas reservadas para “cotistas”;
    • ter obtido aprovação na 1ª fase do CACD 2019 e ter sido convocado para a 2ª fase do último concurso para diplomata.

Note-se que não há qualquer previsão de critério de renda para concessão de uma das 28 bolsas-prêmio do PAA 2020.

3. Quem já recebeu bolsa-prêmio do PAA pode concorrer de novo?

Objetivamente: sim, desde que não tenha recebido mais do que 4 bolsas-prêmio do PAA do IRBr.

Mas, a cada nova bolsa pleiteada, aumentam os pré-requisitos.

Para conseguir a primeira renovação da bolsa, por exemplo, o candidato deve ter obtido aprovação na 1ª fase do CACD 2019 (o último realizado antes da publicação do Edital do PAA 2020).

A segunda renovação da bolsa-prêmio só pode ser concedida a candidatos que tenham sido aprovados também nas provas discursivas de Língua Portuguesa e Língua Inglesa do CACD 2019 (cujas notas mínimas para aprovação foram, respectivamente, 60,0 e 50,0).

A terceira renovação demanda ter sido aprovado na última fase do CACD 2019 – não confundir aprovação com classificação, por óbvio.

 

4. Convocação para heteoridentificação em Brasília

O mesmo Edital publicado hoje no DOU também convoca 33 candidatos inscritos e autodeclarados negros no CACD 2019 para comparecer ao procedimento de heteroidentificação. Essa é a “etapa” do processo que demanda comparecimento presencial perante a comissão de heteroidentificação, em Brasília, às custas do próprio candidato. Devido ao cenário atual de “emergência de saúde pública” por conta da pandemia do novo coronavírus, ficou indefinida a data de comparecimento e o respectivo cronograma de resultados preliminares, prazo para interposição de recursos, resultados finais etc. Assim como aconteceu com o cronograma de atividades relativas ao CACD 2020, foi anunciado apenas que as novas datas serão divulgadas “oportunamente”. Os nomes foram listados conforme sua ordem de classificação no último certame:

1. Lucas Sampaio Ataliba

2. João Paulo de Sousa Vieira

3. Rodrigo Cesar Bessoni e Silva

4. Pedro Mahin Araujo Trindade

5. Thiago Maciel Costa Oliveira

6. Aline Freitas de Paula e Silva

7. Pedro Augusto Oliveira de Paula

8. Bruno Felipe Rodrigues Moreira

9. Liz Pinhata de Souza

10. Amanda Morais de Souza

11. Morgana Lino Costa de Souza

12. Gustavo Jorge Silva

13. Renan Brandão Cardoso

14. José Carlos Alves do Amaral

15. Thiago Meireles Pessanha

16. Rogério Gonçalves Graças

17. Tercio William Pereira Rocha

18. Danilo Guilherme dos Santos

19. Manuel Hermeto Vasconcelos Junior

20. Luis Claudio da Silva Carvalho

21. Luiz Victor do Espírito Santo Silva

22. William Silva Placides

23. Tiago Henrique Ferreira de Jesus

24. Luis Henrique Correa do Amaral

25. Cesar Henrique dos Reis

26. Igor Carvalho Frazão Correa

27. Lucas Couto de Queiroz

28. Gersino dos Anjos Neto

29. Luis Márcio de Oliveira Santos

30. Caio Eduardo Oliveira Leastro

31. Vinicius Oliveira Campos e Santos

32. Leonardo Florêncio Pereira

33. Jassiara da Silveira Santos

Se você está nessa lista ou se pretende algum dia concorrer a uma vaga do CACD como candidato (bolsista ou não) autodeclarado negro, é importante atentar também para as seguintes regras do Edital do PAA 2020:

6.2 O candidato, que não comparecer ao procedimento de heteroidentificação, terá sua inscrição no PAA 2020 cancelada.
6.3 O candidato, que tenha sido avaliado pela comissão de heteroidentificação constituída no âmbito do CACD 2019, independentemente do resultado de confirmação, ou não, da sua autodeclaração naquele certame, deverá comparecer ao procedimento de heteroidentificação do PAA 2020.
Edital do PAA 2020

 

 

Ou seja: mesmo que sua autodeclaração já tenha sido confirmada por comissão de heteroidentificação do próprio MRE no passado, você precisará deslocar-se novamente a Brasilia, gastar o tempo e o dinheiro necessários para tanto, e submeter-se a mais um procedimento de heteroidentificação.

Além disso, o Edital teve a preocupação de anunciar, previamente, que não serão necessariamente validadas quaisquer avaliações anteriores de comissões de heteroidentificação, nem mesmo de edições passadas do próprio CACD ou do PAA:

 

6.9.2 Não serão considerados, para os fins do subitem 6.9, quaisquer registros ou documentos pretéritos eventualmente apresentados, inclusive imagem e certidões referentes a confirmação em procedimentos de heteroidentificação realizados em concursos públicos federais, estaduais, distritais e municipais.
Edital do PAA 2020

 

 

5. Quem vai julgar se os candidatos são realmente negros?

A composição da comissão de heteroidentificação e da comissão recursal é sempre motivo de atenção.

A primeira avaliação, considerada preliminar, é feita por 5 membros de uma comissão plural que avalia e entrevista presencialmente os candidatos a uma bolsa do PAA.

Ela é formada por indicações de diferentes origens, 2 do próprio MRE e 3 oriundas de fora da “Casa”:

  • 1 servidor do MRE indicado pela direção do IRBr;
  • 1 servidor do MRE indicado pela Secretaria de Gestão Administrativa do MRE;
  • 3 representantes indicados por CNPq, SNPPIR e FCP.

A sigla SNPPIR é da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, atualmente vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Ela foi criada no governo Lula com o nome de SEPPIR e, no momento em que escrevo, está subordinada à ministra Damares Alves.

A sigla FCP refere-se à Fundação Cultural Palmares, atualmente (novembro de 2020) presidida pelo famoso sr. Sérgio Camargo.

Um outro critério de composição da Comissão também foi mantido: a busca por membros de cores, gêneros e, se possível, naturalidades diversificadas.

Caso o candidato discorde do parecer de avaliação emitido por essa primeira banca, contudo, ele ou ela tem o direito de recorrer a uma Comissão Recursal de 3 membros. Eles serão indicados pelo MRE, pela SNPPIR e pela FCP. Essa segunda avaliação é feita com base nas fotografias e filmagens de entrevistas de cada candidato, registradas presencialmente por ocasião do comparecimento diante da primeira Comissão.

A pergunta mais polêmica, contudo, costuma ser sobre “como” as comissões de heteroidentificação decidem quem será confirmado como negro e pode concorrer a uma bolsa e quem não será (o que rende eliminação do PAA 2020), sem obrigar à convocação dos demais candidatos não convocados).

A julgar pela lei que estabeleceu a reserva de vagas para negros em concursos públicos, bem como pelas manifestações de ministros do STF a respeito, qualquer procedimento legal de heteroidentificação deve basear-se exclusivamente no fenótipo. Mas, no Brasil, sempre houve (e provavelmente sempre haverá) controvérsias sobre isso, inclusive entre organizações do próprio movimento negro. Decisões polêmicas de edições pretéritas do PAA já renderam boa quantidade de páginas em jornalões do país, manifestações da Educafro e ações do Ministério Público Federal.

Sobre esse assunto, o Edital não é suficientemente detalhado, mas esclarece dois pontos muito importantes:

  1. As deliberações da Comissão serão tomadas por maioria, e não por unanimidade ou suposto “consenso” de todos os seus membros (isso já aconteceu no passado e rendeu alguma repercussão negativa na imprensa);
  2. Não consta desse Edital referência a qualquer critério de avaliação subsidiário ao fenotípico. No passado, já houve manifestação oficial (diante de questionamentos midiáticos, políticos e judiciais) quanto à adoção, “subsidiariamente”, de critérios de avaliação ligados aos “relatos dos candidatos sobre sua experiência como negros na sociedade brasileira”. Ocioso dizer: era um convite à subjetividade e, possivelmente, uma quase extrapolação da lei.

Independente disso

Se tem interesse no assunto, não é exagero repetir a recomendação de leitura do Edital do PAA 2020 na íntegra.

Se você está estudando História para o concurso, é negro ou negra e fez inscrição no CACD para concorrer a uma das vagas reservadas para candidatos autodeclarados negros, fale comigo antes de matricular-se em algum curso específico para o concurso de diplomata. Independente de você ser, ter sido ou vir a ser beneficiário de uma bolsa do Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco, eu suponho que uma conversa preliminar nossa a respeito da sua preparação pode ser útil. Você pode ligar pra mim que eu retornarei a ligação no primeiro intervalo que encontrar entre uma aula e outra: (21) 99844-4284.

Sobre o autor: Luigi Bonafé - aprendacom@luigibonafe.com

Eu sou um professor de História apaixonado pelo desafio de redescobrir o magistério e desvendar a banca do CACD a cada ano. Desde 2007 dou aulas especificamente para quem quer ser diplomata. De lá pra cá, as provas do concurso mudaram muito, e os candidatos também. Como professor, eu fui mudando junto. Desde 2015 até abril de 2024 assumi a regência de cursos teóricos extensivos de História do Brasil e de História Mundial do IDEG, que ajudaram a revolucionar os fundamentos da preparação para o concurso de diplomata e hoje servem de modelo que todo mundo tenta copiar. Desde 2016, em plataforma própria e independente de cursinhos, criei um método de preparação para as provas discursivas de História do Brasil do CACD. Esse método foi aplicado por candidatos que obtiveram as notas mais altas nas provas discursivas de HB dentre os diplomatas aprovados em 2016, 2017, 2018, 2020/2021, 2022, 2023 e 2024 (ou seja, em 7 de 8 concursos consecutivos). Me deixa te contar um pouco mais dessa história...

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