Estão reunidas nesta publicação minhas principais sugestões de recursos contra o gabarito oficial preliminar das questões objetivas de História do Brasil e História Mundial da 1ª fase do CACD 2025. Ou, em poucas palavras: recursos do TPS 2025.
Os níveis de amadorismo, incompetência, negligência, preguiça e falta de transparência nas regras, procedimentos, formatos de provas e qualidade de elaboração (e de revisão) das questões objetivas do concurso para diplomata deste ano de 2025 alcançaram patamares tão rebaixados que vou me abster de analisar mais detidamente o conjunto (absolutamente sofrível) de questões de HB e HM do “TPS” do último domingo. Vou apenas comentar os itens cujos gabaritos oficiais preliminares eu suponho que tenham chances um pouquinho maiores de eventual reversão diante uma razoável quantidade de recursos bem fundamentados.
Se fosse pra chutar, meu palpite seria o de que a maior chance de reversão do gabarito reside no último item listado neste texto. Mas não é uma aposta, apenas um achismo.
Como usar minhas sugestões de recursos
Devo ressaltar, ainda, que os itens elencados e comentados a seguir não são os únicos de cujos gabaritos preliminares é possível discordar ou contra os quais é possível recorrer com fundamento em argumentos e dados robustos — e com chance de sucesso no objetivo de alterar parte da realidade que foi provisoriamente anunciada. Esta aqui é apenas a minha seleção de itens de HB e HM escolhidos após uma “filtragem” eivada de extrema subjetividade. Fique à vontade para utilizar este material da forma que preferir, em seus recursos a favor ou contra o gabarito oficial preliminar/provisório. Mas não se limite às minhas sugestões, por favor. Recorra de tudo que você julgar que faz sentido recorrer. Não hesite em dar mais trabalho aos profissionais que foram/serão remunerados com dinheiro público para executar sua tarefas com esmero, dedicação, responsabilidade e espírito republicano em nível muito mais elevado do que fizeram até agora.
Outro combinado prévio e importante: devido à existência de mais do que um caderno de provas, resolvi indicar os itens a que me refiro sem a sua numeração. Por isso, cada sugestão de recurso é precedida da transcrição integral do item a que se refere. Confira no seu caderno de provas o número do respectivo item, se for fazer algum dos recursos sugeridos aqui. Acrescente ou dispense todos os elementos que julgar necessários para tornar seu(s) recurso(s) o mais objetivo(s) e direto(s) possível. Redija cada recurso sem ironia, sem indiretas pra banca, sem qualquer elemento supérfluo. Vá direto ao ponto. Seu único objetivo é mudar o gabarito preliminarmente anunciado.
Adicionamente, nos recursos em que for possível questionar mais de um aspecto ou “fatia” do mesmo item, combine com colegas para que uma parcela dos recursos de vocês enfatize um desses aspectos e outra parcela esteja focada prioritariamente em outro desses aspectos, obrigando a banca a avaliar os dois (ou mais), e não só o primeiro que formencionado.
E depois? Pensa em mim…
E, lá em agosto, se a banca vier a emitir respostas individuais para os seus recursos, mesmo que sejam respostas negativas, lacônicas ou padronizadas (e repetidas para várias pessoas), por favor lembre-se de me enviar tudo o que você receber e puder compartilhar comigo. Cada detalhe importa para subsidiar análises mais completas para o futuro.
Sugestões de recursos relativos a itens da prova de HM
Os elaboradores das questões de História Mundial da 1ª fase do CACD 2025 não se deram ao trabalho de consultar muita coisa além das obras de Eric Hobsbawm. Nenhuma novidade. Mas fizeram-no de forma bem mais preguiçosa do que de costume. Então minha sugestão para os recursos contra o gabarito oficial preliminar dos itens de HM inclui, por isso mesmo, uma economia de palavras, de sofisticação, de inteligência e de literatura.
Listo a seguir os itens de HM cujos gabaritos me parecem ter alguma (pequena) chance de reversão, com as sugestões de argumentações mais lacônicas e diretas que consegui elaborar para cada um, recorrendo a referências bibliográficas (além das “Eras” do Hobsbawm) apenas como exceção, não como regra. Faça diferente se julgar que isto possa aumentar suas chances de alcançar seu objetivo.
Item: “A queda de seus satélites europeus a partir do final dos anos 1980 e a difícil aceitação por Moscou da reunificação alemã contribuíram para incrementar o colapso da então União Soviética como superpotência internacional.”
Este item é quase transcrição integral da seguinte frase de Hobsbawm: “A queda dos satélites europeus em 1989 e a relutante aceitação por Moscou da reunificação alemã demonstraram o colapso da União Soviética como potência internacional, mais ainda como superpotência.”
Note que, nas palavras do historiador mais famoso do mundo, a “queda” mencionada no item não acontece “a partir do final dos anos 1980”. Minha sugestão de argumento principal contra este gabarito preliminar vai na direção de tentar questionar este ponto, prioritariamente. Há, contudo, outras possibilidades:
Sugestões de argumentos (com o intuito, que deve ser declarado textualmente no recurso, de reverter o gabarito de Certo para Errado):
- a Albânia, satélite europeu da União Soviética, rompeu relações com Moscou na década de 1960 e, desde então, deslocou seu alinhamento da URSS para a RPC, de modo que a “queda” dos satélites europeus do regime soviético precede a década de 1980, remontando a mais de um quarto de século antes de 1989;
- o colapso da URSS, que culmina em sua extinção formal na década de 1990, não começou com a “queda de seus satélites europeus a partir do final dos anos 1980”, mas com a crise instalada a partir de meados dos anos 1970 (o que o trecho original do Hobsbawm afirma é que a data da “queda” desses satélites ocorreu em 1989, e não “a partir de” 1989);
- Mesmo na Polônia, cujo colapso ganha contornos emblemáticos (e críticos para Moscou) apenas nos anos 1980, Eric Hobsbawm aponta para a década de 1970 como ponto inaugural do processo de colapso da URSS, que terminaria apenas em 1991 (Era dos Extremos, 2ª ed., São Paulo, Companhia das Letras, p. 784-785, grifo meu): “Neste ponto, devemos retornar da economia para a política do ‘socialismo realmente existente’, pois a política, tanto a alta quanto a baixa, é que iria provocar o colapso euro-soviético de 1989-91. Politicamente, a Europa Oriental era o calcanhar de Aquiles do sistema soviético, e a Polônia (e também, em menor medida, a Hungria) seu ponto mais vulnerável. […] Contudo, com uma exceção, nenhuma forma séria de oposição política organizada ou qualquer outra era possível. […] O regime há muito se resignara a uma tolerância tácita, ou mesmo à retirada — como quando as greves da década de 1970 forçaram a abdicação do então líder comunista —, enquanto a oposição estivesse desorganizada, embora seu espaço de manobra encolhesse perigosamente. Mas a partir de meados da década de 1970, teve de enfrentar tanto um movimento trabalhista politicamente organizado, […] quanto também uma Igreja cada vez mais agressiva, encorajada em 1978 pela eleição do primeiro papa polonês da história, Karol Wojtyla (João Paulo II).”
Item: “Um dos elementos que conferiu coerência à atuação do grupo social burguesia durante a Revolução Francesa foi o ideário do liberalismo clássico, que encontrava canais de difusão em associações como a maçonaria.”
Sugestões de argumentos (com o intuito, que deve ser declarado textualmente no recurso, de reverter o gabarito de Certo para Errado):
- burguesia não é um grupo social, é uma classe social;
- a classe social burguesia, durante a Revolução Francesa, dividiu-se em pelo menos duas parcelas, de modo que apenas uma delas manteve-se coerente em relação ao liberalismo clássico, como Eric Hobsbawm ressalta no seguinte trecho de sua obra sobre o período (A Era das Revoluções, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2023, p. 115-116, grifos meus): “Em resumo, a principal forma da política revolucionária burguesa francesa e de todas as subsequentes estava agora bem clara. Esta dramática dança dialética dominaria as gerações futuras. Repetidas vezes veremos moderados reformadores da classe média mobilizando as massas contra a resistência obstinada ou a contrarrevolução. Veremos as massas indo além dos objetivos dos moderados rumo a suas próprias revoluções sociais, e os moderados, por sua vez, dividindo-se em um grupo conservador, daí em diante fazendo causa comum com os reacionários, e um grupo de esquerda, determinado a perseguir o resto dos objetivos moderados, ainda não alcançados, com o auxílio das massas, mesmo com o risco de perder o controle sobre elas. […] A peculiaridade da Revolução Francesa é que uma facção da classe média liberal estava pronta a continuar revolucionária até o, e mesmo além do, limiar da revolução antiburguesa eram os jacobinos, cujo nome veio a significar “revolução radical” em toda parte. […] Depois de 1794, ficaria claro para os moderados que o regime jacobino tinha levado a revolução longe demais para os objetivos e comodidades burgueses, exatamente como ficaria claro para os revolucionários que ‘o sol de 1793’, se fosse nascer de novo, teria de brilhar sobre uma sociedade não burguesa.”
- a atuação da classe social burguesia não se revestiu de coerência ao longo do processo revolucionário francês, na medida em que se alternaram, sob o comando de frações distintas da mesma classe, momentos de implementação de valores e instituições de caráter liberal (sob a Monarquia Constitucional, a Convenção Girondina, a Convenção Termidoriana e o Diretório) e momentos de radicalização antiliberal, como no período de hegemonia jacobina (portanto, burguesa) sobre a Convenção Nacional (Convenção Montanhesa, Constituição do Ano I) e na agitação revolucionária pós-termidoriana que culminaria na derrota da “Conspiração dos Iguais”, de Gracchus Babeuf. A contradição entre estes dois últimos componentes do processo revolucionário e as ideias liberais resta explicitada no seguinte trecho da mesma obra de Eric Hobsbawm (A Era das Revoluções, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2023, p. 196-197): “Ao contrário das revoluções do final do século XVIII, as do período pós-napoleônico foram intencionais ou mesmo planejadas. Pois o mais formidável legado da própria Revolução Francesa foi o conjunto de modelos e padrões de sublevação política que ela estabeleceu para uso geral dos rebeldes de todas as partes do mundo. […] Havia vários modelos semelhantes, embora fossem todos originários da experiência francesa entre 1789 e 1797. Eles correspondiam às três principais tendências da oposição depois de 1815: o liberal moderado (ou, em termos sociais, o da classe média superior e da aristocracia liberal), o democrata radical (ou, em termos sociais, o da classe média inferior, parte dos novos industriais, intelectuais e pequena nobreza descontente) e o socialista (ou, em termos sociais, dos ‘trabalhadores pobres’ ou das novas classes operárias industriais). […] A inspiração para o primeiro foi a Revolução de 1789-1891, sendo seu ideal político o tipo de monarquia constitucional […]. A inspiração para o segundo poderia ser descrita como a Revolução de 1792-1793, sendo seu ideal político uma república democrática com uma inclinação para o ‘estado de bem-estar social’ e alguma animosidade em relação aos ricos, o que corresponde à constituição jacobina ideal de 1793. […] A inspiração para o terceiro foi a revolução do Ano II e as insurreições pós-termidorianas, sobretudo a Conspiração dos Iguais de Babeuf, significativo levante de jacobinos extremados e de primeiros comunistas, que marca o nascimento da moderna tradição comunista na política.”
Item: “Um caso extremo de divergência entre nacionalismo e Estado-nação, sem precedente desde a Roma antiga, é o da Itália: a maior parte de seu território foi unificado entre 1859 e 1870, mas havia uma grande fragmentação linguística e cultural.”
Sugestões de argumentos (com o intuito, que deve ser declarado textualmente no recurso, de reverter o gabarito de Certo para Errado):
O nacionalismo contemporâneo nasceu na Revolução Francesa, segundo Eric Hobsbawm (A Era das Revoluções, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2023, p. 102): “A França deu o primeiro grande exemplo, o conceito e o vocabulário do nacionalismo.” Países que são caracterizados, na literatura (historiográfica ou não), como “Estados-nação”, contudo, surgiram na Europa Ocidental ao longo de toda a Idade Moderna, desde pelo menos 3 séculos antes da Revolução Francesa “inventar” o nacionalismo.
O caso italiano, portanto, tem inúmeros precedentes “desde a Roma antiga”: Inglaterra, França, Espanha, Portugal, Rússia e muitos outros “Estados-nação” lograram concluir a unificação da “maior parte de seu território” décadas ou séculos antes de alcançar a superação de “uma grande fragmentação linguística e cultural” — até porque tais países assumiram a forma de “Estado-nação” antes mesmo de o nacionalismo sequer existir.
O que Hobsbawm afirma ter sido inédito na formação do Reino da Itália (“desde a Roma antiga”) não é a “divergência entre nacionalismo e Estado-nação”. O historiador marxista afirma, textualmente, apenas, que “Não havia precedente histórico posterior à Roma antiga para uma única administração de toda a área compreendida entre os Alpes e a Sicília […]” (Eric Hobsbawm, A era do capital, 1848-1875, 3ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, p. 104).
A expressão “uma única administração de toda a área…” não equivale, em nenhuma medida, a “um caso extremo de divergência entre nacionalismo e Estado-nação”.
Item: “Antes mesmo de se constituir como Estado-nação, a Alemanha já se via como uma nação, o que se pode concluir do fato de seus principados terem constituído o Sacro Império Romano da Nação Germânica e a Federação Germânica.”
Este item teve origem na seguinte afirmação de Eric Hosbawm: “A Alemanha era uma nação pelo fato de que seus numerosos principados (apesar de nunca se terem unido em um único Estado territorial) constituíram outrora o então chamado ‘Sacro Império Romano da Nação Germânica’ e ainda formavam a Federação Germânica, e também porque todos os alemães instruídos partilhavam a mesma língua escrita e literatura.”
Note, portanto, que o elaborador do item, ao “disfarçar” a transcrição quase literal, criou na afirmativa tomada como Correta um nexo causal (“…o que se pode concluir do fato de…”) que inexiste no trecho original do historiador marxista. O que sugiro abaixo é uma tentativa de apontar a incorreção deste nexo causal.
Sugestões de argumentos (com o intuito, que deve ser declarado textualmente no recurso, de reverter o gabarito de Certo para Errado):
De fato, a Alemanha (e os “alemães”) “já se via[m] como uma nação” antes da fundação do II Reich. Impossível afirmar, no entanto, que esta identidade nacional remonta ao “Sacro Império Romano da Nação Germânica”, anterior ao nascimento do nacionalismo contemporâneo, como afirma Eric Hobsbawm (A Era das Revoluções, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2023, p. 102): “A França deu o primeiro grande exemplo, o conceito e o vocabulário do nacionalismo.”.
Item: “O nacional-socialismo foi amplamente aceito na Alemanha, sobretudo pelas velhas elites e estruturas institucionais imperiais, que foram fundamentais para a ascensão de Hitler ao poder.”
Sugestões de argumentos (com o intuito, que deve ser declarado textualmente no recurso, de reverter o gabarito de Errado para Certo):
O apoio das “velhas elites” e a instrumentalização das “estruturas institucionais imperiais” que sobreviveram à derrubada do II Reich são consensualmente identificados na historiografia como fatores “fundamentais para a ascensão de Hitler ao poder”.
Exemplos banais dentre os inúmeros possíveis:
“Em janeiro de 1933 um grupo de reacionários – industriais, banqueiros e Junkers – convenceram o presidente Paul von Hindenburg a nomear Hitler chanceler, evidentemente convictos de que poderiam controlá-lo. Ficou combinado que haveria apenas três nazistas no gabinete e que Franz von Papen, um aristocrata católico, ocuparia o cargo de vice-chanceler.” (Edward McNall Burns, Robert E. Lerner e Standish Meacham, História da Civilização Ocidental: do homem das cavernas às naves espaciais, 28ª ed., Porto Alegre/Rio de Janeiro, Ed. Globo, vol. 2: p. 704)
“Os Nacionalistas tinham somente 37 cadeiras no Reichstag depois das eleições de julho de 1932. Uma aliança com os nazistas, que tinham 230 cadeiras, ajudaria muito a que tivessem maioria. Os Nacionalistas não acreditavam na verdadeira democracia: eles esperavam que, com a cooperação nazista, conseguiriam restaurar a monarquia e voltar ao sistema que havia existido sob o governo de Bismarck (chanceler de 1870 a 1890), no qual o Reichstag tinha muito menos poder. Ainda que isso destruísse a República de Weimar, esses políticos de direita estavam dispostos a seguir em frente porque lhes daria uma chance melhor de controlar os comunistas, que acabavam de ter seu melhor resultado até então na eleição de julho, conquistando 89 cadeiras.” (Norman Lowe, História do mundo contemporâneo, 4ª ed., Porto Alegre, Penso, 2011, p. 325)
Sugestões de recursos relativos a itens da prova de HB
Item: “No início do século XX, sob a liderança do Barão de Rio Branco, foram concluídas negociações com a Bolívia que resultaram na anexação do território acreano ao Brasil, tendo o processo incluído o pagamento de uma indenização e a construção da ferrovia Madeira-Mamoré.”
Sugestões de argumentos (com o intuito, que deve ser declarado textualmente no recurso, de anular o item):
A despeito do fato de que o Tratado de Petrópolis previa a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, a menção aos termos do acordo bilateral está ausente da afirmativa do item (apontado preliminarmente como Correto).
Diante disso, é imperioso avaliar se houve “pagamento de uma indenização” e “construção da ferrovia Madeira-Mamoré” como resultados do “processo” de negociações entre Brasil e Bolívia.
E, como é sabido, a projetada ferrovia Madeira-Mamoré não teve sua construção concluída, de modo que a redação do item tornou a afirmativa ambígua e comprometeu, portanto, seu julgamento.
Item: “A Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento liderado por Plínio Salgado na década de 1930, incorporou elementos de discriminação contra judeus em sua ideologia, inspirada em parte no fascismo europeu da época.”
Sugestões de argumentos (com o intuito, que deve ser declarado textualmente no recurso, de reverter o gabarito de Certo para Errado):
Ainda que teóricos integralistas da cúpula da AIB tenham produzido farta obra de caráter antissemita explícito, o elemento da discriminação contra judeus jamais foi incorporado na ideologia da agremiação política. A AIB, como partido político, tinha uma Seção de Doutrina, comandada por Miguel Reale, que jamais incluiu no seu programa “elementos de discriminação contra judeus” constantes, por exemplo, da obra de Gustavo Barroso, e amplamente difundidos entre parte da militância integralista.
Item: “O último expressivo acontecimento do Império foi a abolição da escravidão, em 1888, decisão que não rompia com as estruturas coloniais de exploração do trabalho e de discriminação, uma vez que não foi acompanhada de medidas que efetivamente propiciassem a incorporação dos antigos escravos à cidadania, o que explica, em larga medida, a manutenção do quadro de exclusão e desigualdade que se arrastou no período republicano.”
Sugestões de argumentos (com o intuito, que deve ser declarado textualmente no recurso, de reverter o gabarito de Certo para Errado):
(i) “O último expressivo acontecimento do Império foi a abolição da escravidão”: mesmo depois do 13 de maio de 1888, houve acontecimentos expressivos que antecederam o 15 de novembro de 1889, ainda durante o período monárquico, tanto na política doméstica quanto na política econômica e na política externa do Estado brasileiro.
Exemplos:
– jul. 1888: Formação da “Guarda Negra da Redentora”, liderada por José do Patrocínio
– ago. 1888: inflexão na política externa imperial, com a primeira participação de uma delegação brasileira em conferência panamericana (Conferência de jurisconsultos de Montevidéu), em que foram tratados temas de direito internacional privado
– jan. 1889: Tarifa João Alfredo com taxas alfandegárias móveis conforme variações cambiais
– maio 1889: Congresso do Partido Republicano em que foi aprovada a “solução militar”
– jun. 1889: queda do gabinete João Alfredo
– jul. 1889: participação brasileira na Exposição Universal de Paris (centenário da Revolução Francesa)
– set. 1889: inflexão nas relações bilaterais Brasil-Argentina, com assinatura de Tratado de arbitramento para resolver questão de limites pendente (relativa à “cunha de Palmas”)
– jun. 1889: retorno dos liberais ao comando do gabinete, com amplo programa reformista
– jun. 1889: dissolução da Câmara de maioria conservadora
– out. 1889: início da I Conferência Internacional Americana, em Washington, com participação ativa da delegação brasileira, inicialmente chefiada por Lafaiete Rodrigues Pereira, nomeado pelo governo imperial
– out. 1889: Empréstimo de 20 milhões de libras contraído pelo Estado imperial
– nov. 1889: Assembleia do Clube Militar, sob a presidência de Benjamin Constant, em que deliberou-se pela derrubada da Monarquia
– nov. 1889: baile da Ilha Fiscal
– nov. 1889: golpe civil-militar depõe gabinete Ouro Preto, pela manhã, antes que a República tenha sido proclamada, na Câmara Municipal, à tarde
(ii) “…abolição da escravidão, em 1888, (…) não rompia com as estruturas coloniais de exploração do trabalho e da discriminação…”: é absolutamente consensual, na historiografia brasileira, que a abolição da escravidão representou uma ruptura estrutural tanto nas formas de discriminação (legais, por exemplo, ao estender direitos civis para parcela da sociedade brasileira até então tinha sido excluída de quaisquer dimensões de direitos da cidadania) quanto, sobretudo, nas formas de exploração do trabalho herdadas do período colonial e mantidas durante quase todo o período monárquico. Impossível equiparar, sob qualquer ponto de vista, as estruturas de exploração do trabalho compulsórias, como a escravidão moderna, com estruturas de exploração do trabalho livre (assalariado ou não), por mais precárias que sejam suas condições efetivas, e independentemente do acesso a direitos políticos e/ou sociais.
Uma infinidade de autores confirma tal impossibilidade absoluta.
Exemplos:
– José Murilo de Carvalho, Cidadania no Brasil: o longo caminho (Civilização Brasileira), p. 20:
“Do ponto de vista do progresso da cidadania, a única alteração importante que houve nesse período [1822-1930] foi a abolição da escravidão em 1888. A abolição incorporou os ex-escravos aos direitos civis.”
– Walter Fraga, “Pós-abolição: o dia seguinte”, em: Lilia Moritz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes (orgs.), Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos (Companhia das Letras):
“No dia 13 de maio de 188, uma lei imperial, a chamada Lei Áurea, deu fim à instituição que por mais de três séculos marcou de maneira profunda a vida cotidiana no Brasil: modos de viver e de pensar, relações de poder, etiquetas de mando e obediência. Desde então, aquele segundo domingo do mês de maio de 1888 deixaria de ser apenas um dia qualquer do calendário para ganhar as páginas da história do país, como um momento fundador, decisivo e crucial. No calor da hora houve quem definisse aquele dia como o maior acontecimento da história brasileira.”
– Renato Lemos, “A alternativa republicana e o fim da monarquia”, em: Keila Grinberg e Ricardo Salles (orgs.), O Brasil Imperial (Civilização Brasileira), vol. III: p. 479-480:
“Em uma perspectiva de longo prazo, tem-se a alternativa republicana conectada ao processo de transformação estrutural da sociedade brasileira. Mais precisamente, o sentido histórico de seu surgimento, implantação e consolidação afirmou-se no período que se pode balizar pelos anos 1850 e 1900. Trata-se de um momento histórico marcado por acontecimentos econômicos, sociais, ideológicos e políticos que se associaram a mudanças nas bases da sociedade brasileira: extinção do tráfico internacional de escravos, […] expansão do trabalho livre, […] abolição da escravidão, […]. De fato, operou-se nesse período o que se poderia definir como o movimento de superação efetiva das estruturas coloniais.”
– Hebe Mattos, “Raça e cidadania no crepúsculo da modernidade escravista no Brasil”, em Keila Grinberg e Ricardo Salles (orgs.), O Brasil Imperial (Civilização Brasileira), vol. III: p. 23 e 26:
“Nesse contexto, a questão da abolição não era algo que se reportava apenas a questões econômicas, relativas à ‘mão de obra’; incidia diretamente na própria definição de cidadão brasileiro. Pela Constituição monárquica, só se tornava plenamente cidadão aquele que tivesse nascido ‘ingênuo’, isto é, livre, e não escravo. […] De fato, a ideia do brasileiro pardo como metáfora da nação remontava às décadas da independência e foi revisitada no contexto da luta abolicionista, a partir de diferentes perspectivas. Delas, talvez a que melhor ilumine as diversas possibilidades abertas (e fechadas) no contexto das lutas pelo fim da instituição escravista no país seja a assumida por alguns dos intelectuais pardos que se engajaram na campanha abolicionista. Eles ampliaram ao máximo as possibilidades de uma abordagem não racista, ainda que racializada, da identidade nacional, ao utilizarem as próprias histórias de vida como símbolo. Nesses discursos, a grande reforma da questão servil relacionava-se de forma transformadora com as questões raciais e a identidade nacional. […]”